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O meme egoísta: como memes empresariais definem uma cultura

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Pontos Principais

  • Modelos mentais podem ser úteis para nos ajudar a entender um sistema  que é complexo demais para entender em sua totalidade;

  • No contexto original um meme é um conhecimento que se espalha entre as pessoas dentro de uma cultura. Argumenta-se que os memes fazem parte das definições de culturas;

  • Assim como as culturas históricas e existentes podem ser parcialmente definidas por quais memes existem dentro delas, também acredito que podemos caracterizar similarmente a cultura empresarial pelos memes que existem nela;

  • Sabe-se que os genes formam pares concorrentes com outros genes chamados “alelos”, que ao longo de muitas gerações resultam em um dominar toda a população às custas do outro, ou um equilíbrio dos dois é atingido.

  • Ao construir um modelo mental de uma empresa em termos de memes que existem nela, podemos incentivar mudanças positivas e duradouras manipulando os “alelos dos memes” para que um meme domine outro.

O que é "O meme egoísta"?

Meu trabalho como consultor da ThoughtWorks e, posteriormente, da Codurance me colocou em muitas empresas complexas, fazendo o que costumávamos chamar de Transformação Agile. Essa frase ficou um pouco ultrapassada, então não tenho certeza se a ThoughtWorks ainda usa. Na Codurance, preferimos falar sobre a modernização do software. Frequentemente, temos que lutar contra a própria empresa, que parece ter alguma inteligência própria que resiste à mudança. Isso geralmente é chamado de "Sistema imunológico corporativo". Às vezes, conseguimos "vencer" as batalhas e a guerra e efetuar mudanças positivas e duradouras. Outras vezes parecemos falhar em nossos objetivos de transformação.

Depois de ler os livros O Gene egoísta e O início do infinito, me perguntei se eu poderia me basear nos temas desses livros para entender melhor como as culturas das empresas podem evoluir e as ideias e processos podem persistir, mesmo muito tempo depois que seus autores deixaram a empresa. Isso me levou a definir uma estrutura para um modelo mental de cultura empresarial em termos de memes que existem na cultura, então iniciei uma jornada para explorar se esse modelo mental poderia ser útil para nos ajudar a promover mudanças positivas. Essas ideias, sua adaptação a alguns trabalhos anteriores e sua aplicação em alguns de nossos trabalhos posteriores, são a base do Meme egoísta.

O Gene Egoísta

O Gene Egoísta, The Selfish Gene em inglês, é um livro escrito por Richard Dawkins, publicado pela primeira vez em 1976. Dawkins mais tarde se tornou mais amplamente conhecido (e certamente mais controverso) por "The God Delusion", publicado em 2006.

No gene egoísta, Dawkins, um biólogo, propõe que os organismos (plantas e animais) não são as coisas que se reproduzem, mas os genes que eles carregam que são os "replicadores". Os genes sobrevivem por gerações sucessivas de uma maneira que os organismos não. Os genes até aparecem em várias espécies diferentes. Portanto, um gene "bem-sucedido" altera as características de seu hospedeiro, que Dawkins chama de "máquina de sobrevivência", de maneira a aumentar a probabilidade desse gene sobreviver nas gerações subsequentes.

Este livro é o local onde a palavra "meme" foi criada. A definição de Dawkins de um meme é qualquer tipo de informação que se replica, à maneira dos genes, através de algum tipo de vetor (humanos). O livro foi escrito na era pré-internet, mas seus exemplos ainda são altamente relevantes na sociedade atual, como músicas populares, poemas, crenças, superstições, mnemônicos etc.

Os memes carregam algum valor para o hospedeiro, como um modelo fácil de lembrar uma ação ou talvez apenas divertido, e é esse valor que faz com que o meme seja propagado de pessoa para pessoa, talvez através por gerações.

Os memes podem sofrer mutações, por exemplo, a conhecida música "Um novo tempo", de Marcos Valle, que é cantada todos os anos no ano novo e, aparentemente é cantada errada, pois sofreu alterações ao longo das gerações.

Com o tempo, o valor entregue pode mudar ou diminuir ou até desaparecer completamente, mas o valor percebido para o hospedeiro permanece de alguma forma. São esses tipos de memes, dentro das empresas, que me interessam.

Memes Empresariais e Meme Egoísta

Em 2017, li um livro chamado "The Beginning of Infinity" de David Deutsch. Isso foi durante o período em que eu estava estudando computadores quânticos para a ThoughtWorks e esperava que este livro (não li a sinopse) tivesse o mesmo tema do livro de Deutsch "The Fabric of Reality". Aconteceu que não era, mas felizmente é um dos melhores livros que já li.

O tema do livro é como o conhecimento é repassado e permitido desenvolver e crescer em novos conhecimentos. Deutsch propõe que as sociedades através dos tempos tinham (ou têm) memes que definem a cultura dessa sociedade. Esses memes são pedaços de conhecimentos que encontram uma maneira de passar pelas gerações.

Há um capítulo no livro que contrasta bem a cultura estática da antiga Esparta com a cultura de aprendizado da antiga Atenas e fala sobre como os memes predominantes dessas sociedades moldaram seu presente e futuro ao permitir ou não certas inovações.

O ponto chave nessa comparação é que os memes espartanos permitiram à sociedade alcançar uma boa estabilidade, que por muito tempo garantiu sua sobrevivência. Ao mesmo tempo, esses memes inibiram a inovação porque atribuíram um valor muito alto à conformidade e à estabilidade. Esta parte ressoou fortemente comigo e com a noção do Risk Management Theatre (teatro de gerenciamento de risco) que vemos em muitas empresas. Eu me perguntava se havia memes flutuando dentro das empresa que apóiam o estado das coisas, trabalham contra inovações úteis e mantêm vivos processo obsoletos e até prejudiciais.

Entendendo a Cultura Empresarial Através dos Memes

Uma das primeiras coisas que aprendi trabalhando na ThoughWorks foi perguntar: "Qual é o resultado que esse processo suporta?" para entender por que as coisas são feitas do jeito que são. Isso funciona até certo ponto, mas pode levar a um beco sem saída com "é assim que fazemos aqui". Muitas vezes achei isso frustrante. Em algum momento comecei a questionar: "Por que é assim?". Isso me permitiu formar ideias sobre a história que levou ao presente. Mas isso não explica por que as pessoas ainda fazem o que fazem.

Finalmente, formei uma conjectura de que a realização de um processo pode dar algum tipo de valor ao indivíduo, juntamente, mas possivelmente totalmente independente, do valor (ou suposto valor) que o processo retorna à organização. Então comecei a me perguntar se havia memes empresariais responsáveis por manter vivos os processos e partes da cultura que poderiam ser razoavelmente considerados subótimos ou até prejudiciais. Então, acho que, se conseguirmos identificar os memes que conferem valor aos responsáveis e entender esse valor, isso nos ajudará a entender como a cultura evoluiu da maneira como evoluiu.

Memes Culturais vs Memes Empresariais

Como vimos na discussão sobre Esparta e Atenas, é possível que, com o tempo, os memes possam sofrer mutações e evoluir de tal forma que não sejam mais úteis ou até se tornem prejudiciais. Eles ainda persistem, o que significa que devem estar entregando pelo menos algum valor percebido ou real aos vetores do meme. Então, eles podem ser modificados ou removidos? Eles devem ser modificados ou removidos?

Em uma empresa, essa evolução dos memes existe, e é muito acelerada. Por exemplo, um meme pode se desenvolver em um grupo de engenharia em torno da aprovação de alterações nos dias pré-Devops. A empresa obteve um valor genuíno desse processo, e os vetores (pessoas) ganharam confiança em relação ao sucesso de sua liberação, bem como conforto de que eles haviam realizado sua devida diligência.

Após a revolução do DevOps, o meme ainda existia e ainda era transmitido de pessoa para pessoa. O processo que o meme endossa, por outro lado, tornou-se obsoleto e provavelmente improdutivo. O meme que dirige o processo ainda dá conforto aos vetores, no sentido de que eles ganham confiança de que não podem ser responsabilizados se o lançamento falhar, de modo que o processo continua suportado pelo conhecimento memético.

Impulsionando Mudanças Positivas na Cultura Empresarial

Só para ficar claro, o que estou apresentando aqui é um modelo mental de uma empresa. Qualquer modelo mental é, por definição, uma simplificação de um todo, que seleciona apenas as coisas relevantes para ajudá-lo a entender algum aspecto do comportamento do sistema. Portanto, o uso do tipo de modelo mental que criamos pode ajudar a entender o que seriam algumas das alavancas para tentar incentivar mudanças positivas.

Claramente, leva muito tempo para mudar a cultura de uma empresa de maneira significativa. Às vezes, tentar fazer grandes mudanças, mesmo mudanças que a maioria das pessoas consideraria razoáveis, pode causar tanta agitação e mudar tantas metas, que podem começar a prejudicar as capacidades existentes da empresa. Não é implausível sugerir que as pessoas deixem as empresas porque uma cultura de culpa foi substituída (ou foi feita uma tentativa de substituí-la) por uma cultura de aprendizado, e muitas pessoas se sentem desconfortáveis com o tipo de ritual delicado que isso poderia envolver.

A primeira coisa que fiz foi analisar retrospectivamente alguns trabalhos em que estive envolvido na ThoughtWorks para ver se parecia que minha conjectura original poderia ter algum mérito dentro do meu próprio quadro de referência. Claramente, se não resistisse ao meu próprio escrutínio e ao meu próprio e inevitável viés de confirmação, seria totalmente sem mérito. Também perguntei a alguns colegas com quem trabalhei para opinar sobre o mérito do que fiz. Felizmente (caso contrário, eu não estaria escrevendo isso), decidimos coletivamente que havia o suficiente aqui para justificar o desenvolvimento da ideia. Isso nos ajudou a montar um manual customizável que tentei em compromissos subsequentes.

Sempre foi minha abordagem entender primeiro a história de uma situação antes de tentar mudar o estado das coisas. Eu sempre senti que era necessário entender o motivo pelo qual algo estava lá, qual o valor que ele percebia estar fornecendo, para sugerir alternativas razoáveis. É sempre mais fácil, talvez preguiçoso, como consultor sugerir que "todos devem fazer programação em par" (um meme que permeia muitas empresas), mas isso só pode ser bem-sucedido contra um mantra de revisão de código se atender à mesma necessidade do vetor (a pessoa da empresa) em que está vivendo.

Percebi que tinha que sugerir alternativas opostas ao meme existente que ainda satisfazia o valor do vetor, mas que entregava o valor real à empresa. Em termos meméticos e genéticos, eu precisava criar um alelo de meme apropriado. Portanto, para aplicar a estrutura de "como usar memes para influenciar mudanças na cultura de uma empresa", o primeiro estágio foi identificar memes existentes que não eram úteis. Feito isso, criamos uma alternativa adequada, um alelo, em oposição a ele. É importante entender o valor que os vetores obtêm da propagação do meme existente e garantir que você possa explicar a alternativa nesses termos.

Existem alguns pares de alelos bastante óbvios, como revisão de código versus programação em par; trabalhar com branches ou direto no trunk (Desenvolvimento baseado em trunk); versões pequenas e frequentemente testadas à medida que são desenvolvidas versus versões grandes e pouco testadas após o congelamento de código. Meu insight principal foi o que foi explicado acima. Enquanto a maioria das pessoas provavelmente descreveria uma revisão de código como algo que garante qualidade ou talvez ajude a compartilhar o contexto, o valor real para o vetor é provavelmente um certo grau de conforto em seguir o que se acredita ser o processo correto e, assim, tornar-se imune à culpa em caso de uma falha posterior.

Claramente, nosso objetivo na transformação é reduzir ou eliminar a prevalência e, portanto, a influência (maligna) do meme existente e substituí-lo pela influência do meme concorrente. Idealmente, por exemplo, gostaríamos que toda a empresa de tecnologia usasse o desenvolvimento baseado em trunk e não usasse mais um fluxo de trabalho baseado em branch e merge. Eu tive sucesso e fracasso no passado em convencer as pessoas dos benefícios focados na tecnologia do uso do trunk sobre branch e merge. Quando comecei a tentar entender as motivações pessoais por trás de certos comportamentos, tive mais sucesso falando sobre como essas necessidades poderiam ser satisfeitas de uma maneira diferente.

No O Gene Egoísta, há uma descrição de um modelo de como dois genes concorrentes podem existir em uma população. Isso se baseia em diferentes recompensas evolutivas associadas aos comportamentos que os genes influenciam. O exemplo usado é como os genes para sempre combater os rivais (falcão) podem competir com os gente para sempre fugir (pomba). Se você sempre lutar, vencerá mais lutas e, portanto, mais recursos, mas corre o risco de se machucar. Se você sempre foge quando desafiado, "vence" alguns confrontos contra outras pombas e sempre foge dos falcões mais agressivos, mas nunca corre risco de ferimentos graves. Claramente, esses resultados têm um valor ou uma penalidade associada a eles.

É possível criar condições nas quais as recompensas e penalidades, juntamente com as populações iniciais, farão com que os dois genes coexistem em algum ponto de equilíbrio. Dependendo de como você altera as condições iniciais, as recompensas e penalidades, é possível fazer com que a população modelo seja dominada por um ou por outro dos alelos genéticos concorrentes.

Portanto quando combinamos a ideia de alelos meme concorrentes com algum modelo básico de quais seriam as recompensas e penalidades, temos uma estrutura baseada nesse modelo mental de como podemos proceder na tentativa de fazer com que nosso novo meme domine o (presumivelmente até certo ponto maligno) meme existente.

Podemos obter duas ideias principais da modelagem de pares de genes. Em primeiro lugar, variar os pesos iniciais na população dos memes iniciais nos quais mostra que pode haver uma massa crítica associada a um ou ambos os genes que simplesmente nunca permitirá que o outro surja significativamente. Em segundo lugar, se variarmos as recompensas ou penalidades associadas aos comportamentos, é possível criar as condições sob as quais um ou outro gene sempre dominará.

Esses insights permitiram a mim e aos colegas formar um modelo de por que certas coisas haviam sido bem-sucedidas no passado e outras menos. Mais do que isso, ele nos deu um modelo para analisar novos trabalhos que nos ajudaram a nos dar uma chance melhor de preparar as coisas para o sucesso no futuro.

Nossa primeira alavancada é a dos pesos iniciais dos alelos concorrentes na população. Sabemos que é difícil para uma mensagem (meme) transmitida por apenas, digamos, cinco pessoas, penetrar em uma empresa de, tecnologia de, digamos, 60 pessoas. Nossa modelagem suporta isso. Portanto, nessas circunstâncias, podemos ver que não podemos aumentar imediatamente a prevalência de nossos memes em toda a população, mas podemos reduzir o tamanho da população em que introduzimos a concorrência. Então, o que fazemos é formar uma nova equipe composta por nossas cinco pessoas carregando o novo meme junto com o pequeno número, digamos três, dos funcionários do cliente que presumivelmente carregam o meme empresarial existente. Isso cria pesos relativos que permitem que nosso novo meme acabe dominando e eliminando o antigo. Nesse ponto, a equipe pode ser dividida e duas equipes mais novas formadas para repetir o processo.

A outra alavanca que temos à nossa disposição é alterar os valores dos memes na população. Há algumas maneiras de fazer isso. Ao raciocinar e ser muito deliberado sobre o que estamos fazendo e entender o valor pessoal conferido aos vetores, podemos usar nosso modelo mental para adaptar nossas mensagens à empresa em geral, para falar do valor percebido para os indivíduos e equipes dentro dela.

Outra abordagem é entender como nossas soluções de tecnologia podem ajudar os vetores a propagar nosso novo meme. Isso é análogo ao aumento da recompensa associada ao nosso bom meme. Se usarmos o trunk versus GitFlow, por exemplo, podemos mostrar que a dor diária dos vetores é bastante reduzida por não ter que suportar ciclos dolorosos de merges em intervalos regulares. Desde que também garantimos que atendemos a qualquer outra necessidade de valor pessoal, como o conforto de evitar culpas, temos uma maneira poderosa de impulsionar a adoção de práticas modernas.

Portanto, concluindo, o que criamos é um modelo mental que nos permite construir uma estrutura em torno de algumas ferramentas e técnicas que podem nos ajudar a orientar mudanças culturais positivas dentro de uma organização. Não posso garantir que essa abordagem funcione sempre; na verdade, estou longe de ter pontos de dados suficientes para afirmar que funcionará melhor do que uma abordagem prescritiva direta à mudança. No entanto, sinto que já vi o suficiente para dizer ao menos que pensar nesses termos e usar esse modelo ajudou em parte do trabalho de transformação em que estive envolvido.

Sobre o Autor

James Birnie trabalha com software desde o final dos anos 90, quando Agile e Lean eram palavras usadas para descrever ginastas, pipelines eram para transportar óleo e TDD era algo que você estudava, mas nunca fez. Birnie trabalhou para uma startup por 9 anos, onde aprendeu da maneira mais difícil as práticas, transformações, divisão do monólito e entrega contínua do XP. Em 2015, Birnie começou uma nova vida como consultor de transformação, que o abriu para um novo mundo de aprendizado e experiência. Agora, ele trabalha para a Codurance, onde tenta promover mudanças positivas por meio de valores ágeis, uma mentalidade de DevOps e uma unidade incansável para melhorar.

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