Steve Blank, no seu livro "The four steps to the epiphany" de 2007 ("Os quatro passos para a revelação", sem tradução em português), elaborou a hipótese de que todas as histórias de fracasso e de sucesso de startups seguem um padrão comum. Assim como nas histórias de ficção, não existiam mil heróis, mas um herói de mil faces.
Blank provou por exaustão que um processo prescritivo de desenvolvimento de produtos (waterfall, conforme ilustração abaixo), quando aplicado a novos negócios (com alto nível de incerteza), era uma fórmula exata para o insucesso. O processo clássico de desenvolvimento de produtos foi considerado por ele como "a principal causa da morte de startups", apesar de ser adequado para empresas maduras em mercados conhecidos.
O processo clássico de desenvolvimento de produtos trazia a necessidade de planejamento prescritivo por meio de um Plano de Negócios ortodoxo. Em outro artigo, "No plan survives first contact with customers" ("Nenhum plano sobrevive ao primeiro contato com os clientes"), Steve Blank aponta suas armas contra os tradicionais planos de negócio:
Se você não tiver testado primeiro as premissas do plano dentro do seu modelo de negócios, fora do seu prédio o seu plano de negócio não passa de literatura criativa.
O processo de desenvolvimento de produto prescritivo e o plano de negócios foram as causas chave do que Blank chamou de "espiral da morte". Exemplos disso são os grandes desastres como webvan, Pets.com e Iridium, em âmbito mundial. No Brasil, na primeira bolha de internet tivemos exemplos como o Portal Amélia e o marketplace de construção Clikon. A prescrição em modelos de negócio não validados associados a investimentos prematuros levou a um crescimento não sustentável e à aceleração na direção errada" (veja esse post teórico relacionado).
A conclusão foi a de que o êxito de startups é baseado na experimentação incremental e sistemática de hipóteses, chamado por Blank de "Desenvolvimento de Cliente" ou CustDev. Posteriormente, esse conceito foi associado ao uso de métodos ágeis. Criou-se então o binômio desenvolvimento de cliente e de produto, elementos que deveriam ser adotados em paralelo.
Chegamos à Lean Startup, a fórmula adequada para responder qual é a necessidade do cliente e como atender a essa necessidade.
Plano de Negócios x Modelo de negócios
Porém, nesse plano ainda existia uma lacuna. Como percorrer o caminho entre a descoberta das necessidades e como atendê-las, passando pelas ideias de negócio, pela maturação de uma hipótese composta e descrevendo um modelo de negócios completo?
Em What’s A Startup? First Principles, Blank diz que um modelo de negócio descreve como sua companhia cria, entrega e captura valor. Em outras palavras, como a empresa ganha dinheiro ou, dependendo da métrica de sucesso, como consegue usuários, aumenta o tráfego etc. A definição de Blank é a mesma do livro Business Model Generation de Alexander Osterwalder e Yves Pigneur:
Um modelo de negócio descreve a motivação e as razões pelas quais uma organização cria, entrega e captura valor.
Osterwalder contribuiu com mais uma peça do quebra-cabeça com a metodologia “Business Model Generation” e a ferramenta Business Model Canvas, que substituiu com louvor o tradicional plano de negócios.
O Business Model Canvas (ou simplesmente Canvas) é uma poderosa ferramenta de comunicação e trabalho que trata da aplicação do método científico sobre o processo de criação de um negócio, uma etapa “mais rio acima”. Se isso não for entendido, torna-se uma atividade sem nenhum propósito, de um mau “cargo cult”.
Cada bloco do Canvas tem a hipótese do momento e seu “dual”, um par formado por atividade e critério de validação (criando-se, assim, três canvas). Além disso, o Canvas permite um ciclo acelerado de validação de hipóteses.
Em sua recente masterclass no Rio de Janeiro, Alex Osterwalder propôs que um grupo de trabalho monte um portfólio de Canvas, pratique a validação de hipóteses acelerada, como six thinking hats (de Edward de Bono) e faça apresentações cruzadas, permitindo uma depuração inicial do portfólio de modelos de negócios. Depois disso, estes modelos devem ser objetos das etapas de redução de abstração, para que se inicie tanto o processo de desenvolvimento do cliente quanto o de produto.
Abordagem e framework de trabalho
Com relação à abordagem, os grupos realizam uma etapa chamada de pré-jogo, na qual traduzem o Canvas em um backlog de produto, uma definição inicial de MVP (produto mínimo viável) e um primeiro plano de release e definição do time.
Depois deste pré-jogo é que se iniciam os sprints de trabalho. Em paralelo, o fundador/Product Owner estabelece e executa atividades para validação das hipóteses, que devem ser mais abstratas e fundamentais (“leeps of faith” ou saltos no vazio, baseados em fé) do que as que são relacionadas aos itens do backlog que, por sua vez, formam o produto mínimo viável.
Validação de Modelo
O MVP tem por objetivo validar as hipóteses fundamentais do modelo e pode ter um formato heterodoxo (um vídeo, por exemplo, no caso do DropBox); seguir padrões como atendimento personalizado “concierge” (valida-se a hipótese com atendimento individualizado, sem se preocupar com a escalabilidade do processo no início); ou flash development, como proposto pela Nordstrom.
Ciclo de Vida do Canvas
Estes dois processos (desenvolvimento de cliente e de produto) devem refletir em alterações no Canvas. Aos poucos, ele passa a perder importância operacional para o backlog e para o Quadro Kanban, mas continua importante, por exemplo, na comunicação entre os fundadores e as fontes de investimento (nos ciclos de anjo/seed/série A). No artigo "Raising money using customer development", Blank fala da importância da captação com o modelo de negócios já validado.
Por fim, o Canvas tem grande relevância, por ser a materialização da aplicação do método científico (busca de "product market fit" por meio da validação de hipóteses) em uma etapa anterior ao ciclo do Lean Startup (desenvolvimento de cliente + Agile), além de ser uma ferramenta que acompanhará a startup durante todo o ciclo de investimento de risco. Tudo isso possibilita que os ganhos de validação de hipóteses iniciem mais cedo e que os saltos de fé sejam os mais educados possíveis.
Sobre o autor
Fernando de La Riva (@fdelariva) é Diretor Executivo da Concrete Solutions, Engenheiro de computação pela PUC-RJ, com MBA na Columbia Gruaduate School of Business e mestre pela London Business School, pós-graduado em Gestão Empresarial pela COPPEAD. Atualmente é membro do conselho da iceleres, Fix e Cloudretail, além de mentor do Fundo Moonlight e colunista da Exame.com.