Pontos Principais
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A segurança psicológica é fundamental para a equipe e a empresa porque é um fator chave para melhorias reais de alto desempenho;
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Descrevemos e mapeamos através do modelo S.A.F.E.T.Y., discutindo suas implicações e como cada um dos seus elementos é uma fonte potencial de dor; portanto, conhecê-los é fundamental para permitir que os maus sentimentos e comportamentos sejam controlados e revertidos, sendo um passo crítico em direção a uma empresa em constante aprendizado;
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Podemos usar os elementos do modelo como capacitadores para iniciar um caminho de crescimento pessoal, que permite passar de relacionamentos humanos melhores para ambientes criativos em times e grandes comunidades;
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Os modelos também podem ser usados para criar uma empresa destemida;
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A segurança psicológica é um pré-requisito para adoção do Lean Agile.
Este artigo discute a segurança psicológica, definida como sendo um clima bom, em que as pessoas se sentem à vontade em serem elas mesmas e de se expressarem do jeito que gostariam. Em particular, a segurança psicológica está centralmente ligada ao comportamento de aprendizagem, enquanto reduz os custos de transação e a necessidade de monitorar o comportamento.
Um modelo proposto chamado S.A.F.E.T.Y., composto pelos principais elementos dos fatores de segurança psicológica da dor e do medo, é brevemente discutido a seguir, propondo um caminho para usá-lo em adoções ágeis relacionadas a equipes e empresas.
Como a segurança psicológica promove a disseminação de conhecimento e a colaboração
A segurança psicológica é o ponto principal para a disseminação de conhecimento e colaboração em equipes e empresas. Os princípios fundamentais da segurança psicológica promovem os comportamentos necessários para criar uma empresa destemida, algo crucial para alcançar a agilidade comercial. Uma pesquisa do Google em 2015 indicou que um dos fatores mais importantes das equipes de alto desempenho era a segurança psicológica. De acordo com a pesquisa do Pew Research Center, 89% dos adultos dizem que é essencial para os líderes empresariais de hoje criarem um local de trabalho seguro e respeitoso.
Voltando às origens do Ágil, podemos ver evidências de fatores humanos sendo considerados fundamentais para essa mentalidade em seus valores e princípios.
O primeiro valor do Manifesto Ágil de Desenvolvimento de Software de 2001 diz que "Indivíduos e interações sobre processos e ferramentas", válido ainda hoje, porém sem uma segurança psicológica verdadeira, a confiança não é possível e as interações podem ser corrompidas por medo, incerteza ou no pior dos casos, toda a empresa ágil pode viver em um "mundo" falso de relacionamentos não transparentes. Portanto, a segurança psicológica é essencial para um conjunto de processos e estruturas.
Além disso, falando sobre a disseminação do conhecimento, as lições aprendidas em duas décadas do coaching ágil ensinaram que os "ingredientes" necessários são de natureza psicológica e certamente se relacionam à segurança de não ser punido se a verdade for dita, ou receber feedbacks que a administração, ou gerentes, não gostariam de ouvir, além da possibilidade de se sentir autônomo e autoconfiante como parte de uma equipe interconectada.
Muito do trabalho nas empresas atuais é realizado de forma colaborativa, envolvendo compartilhamento de informações e ideias, integração de perspectivas e coordenação de tarefas. As equipes fornecem um mecanismo estrutural através do qual essa colaboração geralmente ocorre.
Infelizmente, a experiência de pessoas que trabalharam em equipes sugere que trabalhar interdependentemente com os outros nem sempre é fácil.
A segurança psicológica é um fator fundamental para alimentar a colaboração e ajudar no trabalho. De fato, se as pessoas vivem em um clima em que se sentem seguras para se mostrar e não temem repercussões ou julgamentos negativos por parte de outras pessoas, poderão expressar livremente ideias, sugestões, admitir erros e confrontar outras pessoas. É claro que isso desencadeará rapidamente um círculo virtuoso de abertura e disseminação de conhecimento.
Outro tópico central é o "estresse" e a dor psicológica no ambiente de trabalho. O estresse é uma questão importante, afetando a saúde de indivíduos e empresas. Quando experimentamos estresse ou conflito no ambiente de trabalho, nosso cérebro aciona a resposta de luta ou fuga, o que desliga a capacidade de pensar estrategicamente e muda o comportamento da pessoa de 'razoável e racional' para 'primitivo e reativo'.
Os gatilhos mais comuns da resposta ao estresse no trabalho incluem:
- Falta de respeito;
- Não valorizar o trabalho de terceiros;
- Tratamento injusto;
- Não ser ouvido;
- Prazos fora da realidade.
É importante que os líderes de equipe estejam cientes dos gatilhos. A defesa precoce do desenvolvimento ágil sugeriu que poderia ajudar a evitar o estresse usando práticas que enfatizam um ritmo sustentável de trabalho e equipes auto-organizadas.
Uma análise realizada em 2014 por Andreas Meier, et al. sugeriram que o estresse ainda pode ser comum nas equipes ágeis, especialmente para aquelas com menos experiência. Com base nos anos de experiência que temos com equipes ágeis, a suposição inicial é de que a falta de práticas colaborativas poderia ser a causa do problema.
Explorando mais profundamente as práticas relacionadas a evitar o estresse, descobrimos que as práticas colaborativas em geral estavam apenas fracamente relacionadas à redução do estresse, enquanto o efeito das equipes auto-organizadas era mais forte, especialmente entre aqueles com um papel de liderança. O menor estresse também foi associado a muitos resultados de qualidade de software, como baixa taxa de defeitos, design e arquitetura emergentes.
O que permite que as pessoas compartilhem abertamente ideias e contribuam com uma parte de si mesmas para um empreendimento colaborativo?
A confiança, o tema unificador deste artigo, é uma contribuição crítica para esse clima interpessoal, assim como o respeito mútuo. Respeito e confiança são valores fundamentais dos frameworks ágeis mais adotados, como o Scrum.
Modelos de segurança psicológica
Um dos principais modelos considerado aqui é chamado S.A.F.E.T.Y 1:
SEGURANÇA
É a nossa necessidade de previsibilidade em termos de consistência, comprometimento, certeza e prevenção de mudanças. Esse elemento é fundamental para o restante do modelo e forma a base do nosso relacionamento e interação com o mundo.
AUTONOMIA
Está relacionado à nossa necessidade de sentir que temos que controlar o ambiente e termos escolhas.
JUSTIÇA (FAIRNESS)
Esse elemento significa a necessidade de participar e experimentar trocas justas.
ESTIMA
Esse elemento está diretamente relacionado à necessidade de ser altamente considerado, que pode ser derivado como:
- Vermos a nós mesmos;
- Nos comparar com os outros;
- Pensar em como os outros nos veem.
CONFIANÇA (TRUST)
Significa a nossa necessidade social de pertencer e proteger nossa "tribo" (equipe, comunidade, grupo, etc).
VOCÊ (YOU)
O elemento final e mais importante é obviamente você. O que é exclusivo para "você":
- O seu perfil de personalidade;
- Seus preconceitos;
- Como é influenciado e como influencia os outros;
- O contexto (passado, presente, futuro).
Podemos considerar todos esses elementos do modelo em termos ou experiências da vida real (principalmente em ambiente Lean Agile ou tradicional).
Figura 1: Esquema do modelo S.A.F.E.T.Y.
Estamos conectados pela segurança, o foco principal do nosso cérebro é detectar e reagir a ameaças à nossa sobrevivência. É crucial lembrar que tratamos ameaças físicas tangíveis e ameaças psicológicas percebidas de forma idêntica.
Outro modelo que gostaríamos de considerar e usar é o Brain Safety N.E.T.S. ™, que se destrincha em:
- NUTRIÇÃO como uma peça importante do quebra-cabeça quando falamos em gerenciar o cérebro e mantê-lo em velocidade máxima;
- EXERCÍCIO como outra maneira de combater algumas das limitações do córtex pré-frontal (PFC).
- TREINAMENTO que, no contexto NETS, refere-se ao treinamento do cérebro. Vários pesquisadores apoiam a prática de meditação simples, diária, focada ou de atenção plena.
- SONO é o último fator que está sendo pesquisado no que diz respeito à construção da resiliência cerebral.
Esse modelo é o foco para cada um de nós e pode ser usado para indivíduos em uma empresa.
Algumas considerações com base em nossas experiências com esse modelo no contexto de uma equipe ágil:
- A nutrição, mais a saúde geral dos membros da equipe, é considerada um fator importante por um bom Scrum Master (ter empatia e ajudar a pessoa se recuperar são habilidades fundamentais de um líder).
- O segundo elemento, exercício, é realizado continuamente por meio da colaboração na execução de tarefas e na exploração de soluções usando picos ou mesmo 'katas'.
- O treinamento ocorre usando orientação, treinamento no trabalho ou, melhor ainda, usando uma prática de programação do eXtreme chamada programação de pares.
- O sono está ligado à ideia de resiliência em uma equipe ágil. Na maioria das vezes, uma solução emergirá naturalmente do sistema nesse mundo complexo, por isso aprendemos a esperar em vez de buscar continuamente uma resposta.
Aplicação do modelo SAFETY para aumentar a segurança psicológica
Então, o que podemos conseguir usando o modelo S.A.F.E.T.Y.? Nosso objetivo é encontrar a chave da felicidade para pessoas e equipes de alto desempenho.
Um ponto-chave é começar a considerar que cada pessoa se move no mundo e na equipe de acordo com o próprio modelo S.A.F.E.T.Y., e sempre terá como objetivo proteger-se dos perigos percebidos, assumindo uma forma diferente dependendo da pessoa. Por exemplo, existem aqueles que dão mais peso à autonomia e outros que o senso de justiça tem mais valor. Isso significa que não existe uma receita única que possa ser usada em todos os contextos, mas que é realmente importante enviar à equipe a mensagem de que todos serão respeitados em sua individualidade e em sua necessidade de segurança.
Em nossa experiência em campo, esses são os fatores iniciais, os facilitadores de todos os caminhos para equipes de alto desempenho e empresas sem medo.
Fig 2: Sequência de adoção do modelo
Para resumir, o caminho segue esta sequência:
- SEGURANÇA DOS RELACIONAMENTOS E DE SI PRÓPRIO: Desenvolva a sensibilidade e gerencie os gatilhos. Entre na mesma página e proteja a SAFETY um do outro.
- SEGURANÇA DA EQUIPE: Compreenda a SAFETY da equipe. Adote um modo de ver a SAFETY. Torne-se sensível a como as situações, comunicações, atividades e comportamentos podem impactar determinados fatores da SAFETY na equipe.
- SEGURANÇA CULTURAL: Identifique a segurança psicológica como uma prioridade cultural. Implementar a segurança psicológica em toda a população (linguagem, expectativa e responsabilidade).
Para o trabalho do conhecimento florescer, o local de trabalho deve ser aquele em que as pessoas sentem que são capazes de compartilhar o conhecimento! 2
Sem segurança psicológica, torna-se infinitamente mais difícil criar inovação.
E como podemos desenvolver a segurança psicológica? Aqui estão algumas maneiras pelas quais podemos criá-la no trabalho.
- Mude o nosso diálogo interno sobre o fracasso. Existem maneiras de encarar o fracasso sob uma ótica positiva, vendo-o como algo a ser adotado, em vez de ser temido.
- Enquadrar o trabalho como um problema de aprendizagem. Quando vemos o trabalho que estamos fazendo como uma oportunidade de aprendizado, em vez de algo que precisa ser executado, estamos dando às pessoas a liberdade de fazer perguntas e procurar novas soluções e opções.
- Sempre oferecer o benefício da dúvida. Quando estamos em um ambiente psicologicamente seguro, recebemos o benefício da dúvida do grupo, não apenas de alguém em quem confiamos.
- Modelar a curiosidade e fazer muitas perguntas.
- Reconheça a própria falibilidade.
- Saber que sempre podemos conseguir outro emprego. Um dos maiores medos é o de ser mandado embora. Se formos demitidos, costumamos achar que nunca mais conseguiremos outro emprego. A realidade é que isso não é verdade. Muitas vezes, pode ser uma mudança positiva para nós, uma solução melhor.
A mudança leva tempo, por isso é importante começar pequeno ao criar uma sensação de segurança psicológica.
A imagem a seguir mostra uma sequência de etapas que vão de "relacionamento de alta qualidade" passando por "mudanças positivas" chegando a "crescimento organizacional". A segurança é vista como um facilitador para as etapas a seguir e deve ser considerada essencial para haver uma disseminação real do conhecimento.
O papel da segurança psicológica na adoção ágil
Um dos autores - Fabio Armani, um coach organizacional - passou mais de 15 anos em adoções e transições do Lean Agile em um amplo espectro de diferentes contextos, equipes e empresas. Muitos esforços fracassados acabam sendo orientados e focados demais em processos, abordagens e ferramentas. Essas adoções geralmente são desempenhadas de cima para baixo e carecem de envolvimento real dos funcionários.
Na última década, houve uma proliferação de frameworks para escalar o ágil (SAFe, DA, LeSS, ...) ou para gerenciar portfólios, que geralmente são muito complicados e repletos de práticas desconectadas do lado humano da mentalidade ágil.
Juntamente com os benefícios bem documentados, o ágil traz alguns desafios complexos. Podemos categorizar os desafios como conflitos de processos de desenvolvimento, conflitos de processos de negócios e conflitos de pessoas (atitudes de gerenciamento, questões logísticas, gerenciamento de mudanças). Este último é o mais desafiador.
É provável que os desafios associados à segurança psicológica sejam exacerbados nas implementações nas culturas do local de trabalho, inerentes à empresa. A abordagem ágil depende de relacionamentos colaborativos e interdependência entre os membros da equipe. Ainda não temos conhecimento de um estudo correlacionando segurança psicológica e o ágil, no entanto, há uma ocorrência indireta de que uma cultura baseada em segurança psicológica tenha os seguintes efeitos positivos na adoção ágil:
- Apoia a inovação estimulando trocas produtivas;
- Promove um aprendizado com a atitude de falha;
- Aumenta a probabilidade de os funcionários compartilharem os pensamentos sobre como melhorar a empresa.
Outro elemento importante da segurança psicológica é tornar o desempenho da equipe uma responsabilidade coletiva (ou seja, a equipe compartilha a responsabilidade pelo produto ou resultado).
Existem três categorias de desafios relacionados ao papel da segurança psicológica nas implementações ágeis:
- Atitudes em relação à inclusão;
- Percepções e confiança na responsabilidade coletiva;
- Abertura na comunicação.
Para resolver o 'impasse' visto anteriormente, relacionado à proliferação de processos e ferramentas, consideramos a segurança psicológica um dos elementos-chave para ancorar todas as adoções bem-sucedidas aos valores e princípios do Manifesto Ágil, de acordo com a ideia de Modern Agile (de Joshua Kerievsky) e Heart of Agile (de Alistair Cockburn).
No Modern Agile, a segurança é considerada um pré-requisito para as necessidades humanas básicas e é a chave para obter alto desempenho. Há uma ênfase na proteção do tempo, informações, reputação, dinheiro, saúde e relacionamentos das pessoas. "Tornar a segurança um pré-requisito" é uma parte inseparável da roda do Modern Agile. Os quatro princípios orientadores se fortalecem.
Falando sobre esse valor no Modern Agile, gostaríamos de compartilhar uma experiência recente com um grande banco italiano. Alguns meses após o início de uma adoção ágil abrangente, fomos solicitados a resolver problemas dentro e entre várias equipes ágeis e não-ágeis.
Uma forte falta de segurança psicológica que impedia a comunicação e a colaboração era evidente para nós. Por isso, propusemos alguns workshops destinados a conscientizar sobre isso primeiro, iniciando um caminho para o crescimento da segurança. Isso foi bem-sucedido e, portanto, foi estendido a outras áreas da empresa.
Conclusões
Os líderes devem mudar de ideia e adotar essa nova segurança cultural. Somente criando uma empresa sem medo o ágil pode florescer e se tornar um caminho para a melhoria contínua, para cada um e suas empresas.
Como resultado, queremos incentivar os líderes e qualquer pessoa que queiram se beneficiar da adoção de uma mentalidade ágil a explorar o ambiente e a cultura de maneira transparente, com uma perspectiva de segurança psicológica, executando as etapas propostas neste documento 3 com coragem e determinação.
Notas de rodapé
1 Modelo criado por Dan Radeckiand explicado no livro "chological Safety: The key to happy, high-performing people and teams.", Radecki, Dan. - The Academy of Brain-based Leadership.
2 Edmondson, Amy C. "The Fearless Organization". Wiley.
3 Este artigo foi apresentado durante as seguintes conferências:
- Agile Business Day 2019
- Agile Venture Firenze 2019
Sobre os autores
Fabio Armani, CEO da Openware, é um profissional independente com quase trinta anos de experiência na área de tecnologia e gerenciamento de informações. Seu trabalho é ajudar as empresas em adoções, transições e lançamentos do Lean Agile, com treinamento organizacional e executivo; seus serviços de consultoria variam de equipes a desafios organizacionais e de escala. É capaz de acompanhar a evolução das empresas e sugerir soluções adaptadas ao nível de maturidade do Lean Agile.
Giulia Armani é psicóloga, psicoterapeuta em treinamento, formada em neurociência cognitiva e reabilitação psicológica. Trabalha em psicologia clínica enquanto termina sua formação como psicoterapeuta cognitivo-comportamental para adultos. Atua como coach Lean Agile e palestrante, interessada em questões de estresse e bem-estar psicológico no local de trabalho.