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A praga das Febres Ágeis: Fuja da infecção

A Febre Ágil é uma condição que afeta pessoas normalmente racionais e as rouba seu senso comum com relação à adoção e aplicação de processos ágeis de desenvolvimento. As consequências dessa febre têm contribuído para má aplicação, o não entendimento e o mau uso desses processos, além de provocar grandes prejuízos. Por exemplo, observou-se que há gerentes utilizando como critério de sucesso a quantidade de seus projetos que adotam o Agile. Outros projetos têm adotado o Agile em contextos onde não há esperança de haver retorno sobre o investimento. Também existem equipes de desenvolvimento que investiram na formação e na reorganização, inclusive passando a utilizar termos do dicionário Agile, mas que efetivamente não mudaram a forma de trabalhar.

Enquanto os acadêmicos do mundo se concentram em resolver essas e outras questões, há equipes de desenvolvimento desperdiçando dinheiro e tempo, por abusarem do Agile de diversas formas comuns. O objetivo desse artigo é caracterizar as formas comuns, dentro do contexto das Febres Ágeis, de maneira que possam ser reconhecidas e tratadas.

As febres descritas a seguir são as mais comuns a infeccionarem organizações de desenvolvimento que adotaram processos ágeis. Muitas são relacionadas entre si, algumas são pré-requisitos para outras. A maioria é criada por tomadores de decisão que não estão qualificados para orientar a adoção e a execução de processos de desenvolvimento ágeis.

Por fim, é de fundamental importância reconhecer que as febres documentadas abaixo não são teóricas e podem ser observadas de fato.

As Febres

Uma Febres Ágil pode pertencer a um de três estágios, alinhados com os marcos da transição para uma abordagem de desenvolvimento ágil: inicial, intermediária e final. Como muitos leitores certamente perceberão, algumas das Febres são difíceis de classificar e poderiam pertencer a mais de um, ou mesmo a todos os estágios.

Febres de estágio inicial

As Febres de estágio inicial são as mais perigosas, por serem as mais numerosas e contagiosas, e terem enorme potencial de causar danos a um processo de desenvolvimento de software. Organizações que estiverem considerando a adoção de um processo ágil devem estar alertas para detectá-las no estágio inicial, e garantir que suas decisões sejam baseadas em fatos e na busca de valor agregado, em vez de em mitos e modismos. O diagrama a seguir resume as Febres de Estágio Inicial.

  • Febre Maria-vai-com-as-outras: uma pessoa com febre Maria-vai-com-as-outras conhece o Agile simplesmente a partir do que ouviu a respeito, seja verdade ou não. Não possui qualquer conhecimento adquirido em primeira mão. As consequências dessa febre podem ser muito perigosas se os infectados tiverem responsabilidade na tomada de decisões do processo de adoção de práticas ágeis. O perigo tende a aumentar em função da posição hierárquica que o infectado ocupa na organização. Os danos podem ser maiores por conta de decisões equivocadas e da capacidade de o infectado ignorar orientações de seus subalternos. A Febre Maria-vai-com-as-outras normalmente é uma pré-condição para outras febres e tem tendência de agravar outros sintomas.
  • Febre do Botão Mágico: Esta Febre acomete quem acredita que a adoção de uma metodologia ágil é tão simples quanto apertar um botão. Creem que seus projetos podem colher imediatamente os benefícios da agilidade, como haviam imaginado com a febre Maria-vai-com-as-outras. Dependendo da metodologia de desenvolvimento utilizada, a transição para uma abordagem ágil pode representar mudança expressiva. Pode remodelar o relacionamento com o cliente; trabalhar com requisitos menos detalhados que antes; aceitar que retrabalho é uma possibilidade realista e que deslizes no cronograma fazem parte de uma cultura em que o produto evolui de acordo com o desejo do cliente. Os infectados típicos, no entanto, têm pouco ou nenhum conhecimento sobre os mecanismos que costumam gerar melhorias de produtividade ao usar práticas ágeis. Nem sabem distinguir entre o que é possível aplicar e o que não é viável em seus ambientes.

A gratificação instantânea não é rápida o suficiente. -- Meryl Streep

  • Febre do Tamanho Único: As vítimas dessa febre acreditam que os processos ágeis são aplicáveis ​​a todo e qualquer projeto de desenvolvimento, e que têm retorno sobre investimento garantido. Embora a adaptação seja parte importante da adoção de metodologias ágeis, o nível de adaptação necessário muitas vezes indica o grau de adequação da agilidade àquele contexto. Metodologias ágeis podem ser do "tamanho errado" se for necessário incluir adaptações em fundamentos. Por exemplo, criar uma adaptação das reuniões diárias devido a problemas de alocação do time; fazer adaptações para contornar a falta de engajamento por parte dos clientes; ceder flexibilidade de cronograma por conta de prazos fixos; e ceder um processo de evolução de requisitos por conta de inaplicabilidade naquele contexto. A Febre do Tamanho Único se diferencia das demais por se originar de uma mentalidade equivocada, enquanto as demais são associadas ao uso tático equivocado dos práticas ágeis.

Existe tanta ignorância no mundo porque quem a possui faz questão de compartilhar. --Frank Howard Clark

  • Febre da Ralação Inútil: Essa febre muitas vezes é um agravamento da Febre do Tamanho Único, mas os que padecem dela acreditam que a agilidade não é aplicável necessariamente a todos os projetos de desenvolvimento. Essa febre ganha proporções sérias quando uma organização decide adotar processos ágeis à força, mesmo quando não há algumas ou todas a características do Ponto Certo Ágil. O Ponto Certo Ágil (Agile Sweet Spot) é um conjunto de características que um projeto de software deve ter para aumentar a probabilidade de sucesso na adoção de um processo ágil. Os sintomas clássicos da Febre da Ralação Inútil são caracterizados por adoção tardia da agilidade, que ocorre numa fase avançada do ciclo de vida do projeto; ou em casos em que cronogramas fixos, requisitos rígidos e pouca flexibilidade restringem os benefícios da adoção da abordagem ágil.

O longo hábito de não pensar que uma coisa está errada dá a ela aparência superficial de estar certa. -- Thomas Paine

  • Febre do Aleluia: Uma pessoa infectada com essa febre é muito grata que o Agile chegou para salvar a indústria de software dos pecados de desenvolvimento sendo cometidos desde o início da era da computação. Seus infectados classificam táticas como desenvolvimento iterativo e incremental, que há muito tempo são utilizadas para reduzir o risco e promover o envolvimento do cliente, como práticas exclusivamente ágeis e falsamente atribuem ao Agile a introdução dessas estratégias. A Febre do Aleluia frequentemente se transforma em Febre da Distorção Retroativa (veja adiante), na qual os infectados creditam qualquer melhoria de produtividade à adoção do Agile, ao invés de dar crédito à adoção de melhores práticas reconhecidas há muito tempo.

Acho detestável a guerra, porém mais detestáveis são os que a elogiam sem participar dela. -- Romain Rolland

  • Febre do Papagaio: Todos os projetos de desenvolvimento de software infectados por alguma variante de Febre Ágil tende a ter ao menos uma pessoa sofrendo da Febre do Papagaio. Nessa febre, os infectados defendem religiosamente suas metodologias ágeis - citando mecanicamente trechos das bíblias da agilidade - de qualquer indicação de que estão sendo mal utilizadas, ou que não estão funcionando tão bem quanto o planejado. Embora caracterizada como febre de estágio inicial, pode se estender por todos os estágios e tende a se agravar com o tempo. É comum que as pessoas não infectadas desenvolvam forte desejo de estrangular os infectados com a Febre do Papagaio.

Ensine a um papagaio os termos "oferta e demanda" e terá criado um economista. --Thomas Carlyle

Febres de estágio intermediário

As Febres Ágeis de Estágio Intermediário são aquelas que normalmente aparecem mais tarde na adoção do Agile, mas também podem estar presentes nas fases iniciais de adoção. São em grande parte resultado de equívocos de entendimento contínuos sobre em quais contextos de desenvolvimento o Agile é mais adequado, assim como os efeitos colaterais de se forçar uma adoção para onde não é adequada. O diagrama a seguir ilustra as Febres de Estágio Intermediário.

  • Febre do Homônimo: O principal sintoma surge quando um infectado confunde a definição da palavra comum "ágil" no dicionário com Agile. Os infectados veem que o dicionário define ágil como rápido, leve e de movimento fácil. Acreditam que os benefícios do Agile são concretizados por alguma maneira de concluir as tarefas mais rápido, ao invés de benefícios criados como resultados de melhorias na comunicação e cultura em várias frentes. Os infectados pela Febre do Homônimo regularmente confundem "Agile" com "ágil", ao descreverem um processo de desenvolvimento, sem compreender verdadeiramente as diferenças. Em casos de suspeita de infecção, peça à pessoa que descreva o que faz com que seu processo de desenvolvimento seja "Agile".

É muito difícil nos fazer entender, quando o mal-entendido é uma vantagem para os outros. -- Lionel Trilling

  • Febre do Culto: A Febre da Culto surge quando um grupo de pessoas imita superficialmente um processo Ágil sem ter qualquer conhecimento sobre a essência subjacente. As consequências dessa febre são que as pessoas que utilizam o processo não compreendem o contexto para evoluir ou adaptar o processo, com base na mudança de prioridades, cronogramas, ou restrições. Uma organização infectada com a Febre do Culto frequentemente termina contraindo a Febre da Estrada ao Inferno (veja adiante) como resultado da sua incapacidade de se adaptar a condições variáveis.

A razão obedece a si mesma, mas a ignorância se submete ao que lhe for imposto. -- Thomas Paine

  • Febre do Macaco Mandou: Os infectados são identificados por sua participação em atividades relacionadas à agilidade sem ter a menor ideia do porquê essas atividades estão sendo realizadas. Tudo que sabem é que fazem parte de alguma "checklist" ágil. A causa mais comum dessa febre é não ter encadeado todas as atividades de desenvolvimento de forma a agregar valor. Sendo assim, os infectados caem num regime confortável e robótico que é apenas uma ilusão de progresso. A Febre do Macaco Mandou é muito frequente em organizações gravemente infectadas com a a Febre do Culto.

Regras são para a obediência dos tolos e para orientação dos sábios. --Douglas Bader

  • Febre da Terra de Cegos: Essa tem o potencial de afetar seriamente o sucesso na adoção do Agile. Ocorre quando os "cegos" ágeis são treinados por pessoas que possuem compreensão um pouco maior que a deles. O sintoma mais comum a ocorrer nessa febre é o fracasso de um projeto de adequação de metodologias ágeis para seu contexto; ou o fracasso de um professor em reconhecer uma baixa probabilidade de retorno da adoção de um processo ágil.

Não se preocupe com a cegueira do cavalo, só carregue a carroça. -- John Madden

  • Febre da Negação: A existência dessa febre é imperdoável em uma organização de desenvolvimento de software. O principal sintoma é constatado quando os tomadores de decisão rejeitam as recomendações de especialistas na adoção ou adaptação de um processo ágil. Ignoram conselhos e continuam numa trajetória provavelmente baseada num livro. Essa febre é muito frequente nos já infectados com a Febre do Papagaio.

A maior forma de ignorância é rejeitar algo que se desconhece inteiramente. --Wayne Dyer

Febres de Estágio Final

As Febres de Estágio Final envolvem situações em que se tenta aproveitar algo positivo de uma situação que deu errado. Além de se tentar concluir o trabalho em circunstâncias complicadas, não é raro observar o uso de táticas para tentar justificar retroativamente a adoção de um processo ágil. O diagrama a seguir ilustra essas Febres.

  • Febre da Estrada ao Inferno: normalmente presente em organizações que planejavam colher os benefícios da agilidade mas por alguma razão não executaram a trajetória de adoção que deveriam ter feito. Como resultado, a organização é atingida pela Febre da Estrada para o Inferno: mesmo depois de ter investido pesado na formação e reorganização, ainda apresenta sintomas de condução dos processos de forma pré-Agile. Continua insistindo em equipes dispersas geograficamente, interação com o cliente pouco frequente, inflexibilidade na evolução de requisitos e adoção de cronogramas rígidos. Os sintomas são estágios avançados de uma infecção da Febre de Ralação Inútil, em que foi forçada a adoção de uma metodologia ágil em um contexto não-apropriado.

A ignorância é o solo onde prolifera a crença em milagres. --Robert Ingersoll

  • Febre da Distorção Retroativa: É comum que essa febre aflija quem foi responsável por grandes investimentos para fazer a transição da abordagem "tradicional" para uma abordagem ágil. Os sintomas incluem usar soluções "criativas" para medir a produtividade em Agile, assim como falsamente declarar benefícios ágeis que na verdade foram originados da adoção de melhores práticas há muito tempo reconhecidas. Essa febre é uma das mais perigosas, pois suas histórias de sucesso podem causar febres Maria-vai-com-as-outras em outras equipes de desenvolvimento de software, e alimentar a propagação de Febres Ágeis.

O Antídoto

Não são as as metodologias que causam as febres descritas. São as pessoas que causam essas febres. Essas pessoas normalmente não conhecem profundamente os princípios ágeis. Embora sejam bem intencionadas ou tenham estudado nas melhores universidades e tenham QI elevado, têm pouco conhecimento sobre os princípios do Agile, que são a base das conhecidas melhorias de produtividade. Acreditam que as melhorias podem ser obtidas simplesmente "adotando" uma metodologia ágil. Tampouco fazem ideia de que a extensão com que uma metodologia ágil pode criar esse benefício é altamente dependente do contexto de um projeto.

O antídoto para as muitas formas de Febre Ágil é a educação e o conhecimento. Infelizmente, os infectados que mais precisam dessa educação muitas vezes estão inconscientes de desconhecerem a agilidade. Portanto resistem ao aprendizado sobre o que não sabem, ou acreditam que quem tenta educá-los é um rústico que ainda não viu a luz fulgurante do Agile.

O objetivo de se definir um processo de desenvolvimento de software não deve ser o de baseá-lo em agilidade, mas sim o de definí-lo para ser o mais eficiente e produtivo para o contexto de um projeto. Nesse contexto, o modelo do Sapo e Polvo (PDF) propõe nove conceitos universais que são relevantes de alguma forma a todos os projetos de desenvolvimento de software (O Sapo) e um conjunto único de fatores de variabilidade de projeto (o Polvo) influenciando conceitos universais. O modelo pode ser usado para ajudar na orientação da definição de um processo de desenvolvimento, sem a confusão trazida por qualquer bala de prata que possa estar na moda.

Na verdade, usar um modelo como o do Sapo/Polvo é uma maneira eficaz de envolver as pessoas infectadas com Febre Ágil. Isso porque remove completamente as referências à agilidade da discussão sobre processos de desenvolvimento. Em vez de colocar um infectado imediatamente na defensiva, ao sugerir por exemplo, que um processo de desenvolvimento ágil pode não ser a melhor opção, utiliza-se uma tática melhor de discutir a aplicabilidade e o valor de adotar estratégias de desenvolvimento em sentido mais amplo. Essas discussões podem incluir considerações normalmente associadas a processos ágeis, como flexibilidade de requisitos, elasticidade de cronograma, ampliação do envolvimento de clientes, capacidade de reunir o time numa localidade, assim outros atributos que sejam relevantes no contexto de um projeto.

Uma vez que as considerações aplicáveis sejam identificadas, cada uma delas precisa ser avaliada em termos de relevância, valor e custo de realização, sem qualquer discussão sobre sua relação com abordagens de desenvolvimento específicas. A adoção/adaptação de um processo de desenvolvimento de software baseado em agilidade deve ser feita com base no retorno sobre o investimento e desconsiderando modismos. O custo e o valor de se adotar metodos ágeis são variáveis; dependem do contexto do projeto específico. Por isso os benefícios criados em um projeto não são representativos do que se pode obter em um conjunto amplo projetos.

Embora as Febres Ágeis identificadas e caracterizadas neste artigo tenham sido descritas usando linguagem irônica, os exemplos associados de má utilização e má aplicação do Agile são genuínos e podem estar ocorrendo em um projeto de desenvolvimento perto de você. Mais ainda: os problemas apresentados são auto-infligidos em muitas empresas e permanecem lá, mesmo quando há disponibilidade de especialistas que podem corrigí-los.

Só haverá esperança de erradicar as famigeradas Febres Ágeis se for reconsiderado o papel de tomadores de decisão pouco qualificados na adoção e adaptação de processos Agile.


Sobre o autor

Alex Bell tem mais de 30 anos de experiência na Engenharia de Software, tendo trabalhado para empresas como Boeing, Raytheon e Hughes Aircraft. Já se envolveu em uma gama de aspectos do desenvolvimento de software, especialmente em sistemas embarcados de alta criticidade. Tem Bacharelado em Ciência da Computação na UCSD, já escreveu vários artigos similares condenando insanidades na indústria se software e é um Technical Fellow na Boeing.

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